Uma Visão Pós-Crise
Hoje é dia 4/4/2020 7h00, confesso ser difícil escrever esse artigo sem o envolvimento pessoal, apenas me colocando como espectador e analista dos eventos, uma vez que de fato, hoje também me incluo nesta incontável lista de empresas, empreendedores e profissionais espalhados pelo mundo, que em um momento da vida se deparam com algo muito complicado e complexo de ser enfrentado. Como consultor e estrategista de negócios, vejo sempre a situação como em um tabuleiro de xadrez onde, a cada ação, estamos avaliando hipóteses e movimentando nossos recursos em direção ao objetivo da conquista (sim, temos sempre do outro lado um oponente, um desafio a ser vencido). Desta vez, no entanto, a situação é diferente e pela atual conjuntura econômica do mundo, onde estamos altamente conectados e integrados, estamos coletivamente vivenciando os impactos e posteriormente, as consequências deste “efeito borboleta” na sociedade de todas as nações.
Certamente daqui a alguns poucos anos, este momento e seus desdobramentos serão base para enredos de filmes e obras literárias, com doses de ficção, emoção e dramatização falando de superação, solidariedade, amor e até comédia (lembrei dos memes produzidos dos primeiros "home offices" de nossos colegas), mas também de teorias da conspiração e espionagem evocando o lado vil do poder e da conquista a qualquer custo.
Buscar razões para a pandemia, onde e porque falhamos em sua contenção não importam agora, tão pouco a explicação da sua origem (tragédia anunciada, experiência fora de controle, hábitos culturais e alimentares, sabotagem, obra divina…). Simplesmente aconteceu e hoje, neste acaso, podemos dizer que todos estamos no mesmo “barco”, neste ponto do universo chamado planeta Terra e que novamente será preciso mudar, esta sim a única certeza em nossas vidas. Somos todos lutadores, queremos sobreviver (característica intrínseca da raça humana) e em tempos de crise mundial, não podemos individualmente ou coletivamente nos intoxicar com pensamentos de culpa ou ações para buscar responsáveis. Ter pena de si ou raiva de algo ou alguém, de nada nos ajudará em nosso plano para voltar a um status de normalidade do nosso cotidiano.
Neste momento, de estudo, planejamento e ansiedade pelo retorno, vejo que para se reerguer será preciso utilizar uma estratégia, talvez nunca antes tentada ou feita, ajudando e ao mesmo tempo nos apoiando, sem interesses ou contrapartidas. Aqui trata-se de uma ação emergencial de ajuda social e econômica, onde o seu concorrente de mercado neste momento passa a ser um aliado e que no futuro, caso você não tenha sucesso em seguir em frente e seu ciclo aqui se encerre, poderá ou não ser ele que te abrirá a oportunidade para um recomeço.
Teremos um redesenho para o mundo! Esta é uma afirmação. “O normal” quando ele se estabilizar será de alguma forma diferente daquele que antes existia. Teremos sim, uma nova mudança disruptiva de ordem social no mundo afetando os modelos de negócio, sua gestão, sua entrega e seus relacionamentos com as pessoas.
Então, o que fazer para redesenhar algo que se achava antes perfeitamente ajustado?
A resposta é quebrando paradigmas e mudando a forma de se pensar as coisas, para se criar um novo modelo e uma nova ordem.
Mas como fazê-lo de forma rápida e consistente? Bom, para isto, precisamos rever alguns fatos ocorridos e acredito que tenhamos presenciado alguns exemplos e boas práticas para inspiração, vindos do próprio local onde a epidemia foi inicialmente registrada e combatida. A China foi o primeiro país a sofrer com a COVID-19 e a população e seu governo se uniram para enfrentar a situação, naquele momento, não haviam referências do que estava acontecendo, tudo era novo, todos ali sofreram juntos e foram isolados pelo resto do mundo, que chegou a classificar o problema como local e interno de um país e que aquilo jamais alcançaria o outro lado do planeta.
Neste cenário, a cultura e o modo de vida oriental nos apresentaram alguns pontos e caminhos de apoio para o enfrentamento da crise que se mostraram eficientes e muito distintos ou inovadores aos nossos olhos ocidentais. Por trás de números impressionantes e obras gigantescas, como o hospital UTI construído “do nada” em 10 dias, podemos perceber a aplicação consistente de fundamentos práticos e acessíveis como:
O emprego da tecnologia para coletar e analisar bilhões de dados, gerando informação utilizada para se tomar rapidamente decisões mais assertivas;
As decisões sempre tomadas com o objetivo no bem coletivo - aliás a privacidade do indivíduo foi totalmente deixada de lado, tornando-se uma informação pública utilizada para a estratégia de uma ação coletiva (rastreabilidade de transações comerciais e deslocamentos a locais realizados pelas pessoas em busca de novos casos suspeitos de contágio);
Observou-se foco, comprometimento e obediência à estratégia definida gerando velocidade na implementação (ciclos de planejamento e gestão de execução extremamente eficientes - ação coletiva com organização e responsabilidades definidas em todos os níveis);
Com simplicidade e rapidez um projeto de gestão de crise de alta complexidade foi implantado, considerando:
comunicação e orientação geral para todos;
disponibilidade de ferramental (Termômetros digitais e testes rápidos para o vírus);
equipe preparada e protegida com EPIs (máscaras, luvas e álcool gel);
ação de investigação (baseada em inúmeros pontos de controle nos locais públicos);
método e procedimento (está com febre ou testou positivo para o vírus então você e quem mora junto com você estão em isolamento social);
registro de ocorrência e alertas (QRCode pessoal e Super Apps - registros nas abordagens físicas e nas transações financeiras digitais - compras de medicamento);
ação de monitoramento e controle dos casos suspeitos e confirmados (visitas regulares aos domicílios dos reclusos para verificar o estado de saúde dos residentes - apresentou piora dos sintomas: acionamento equipe médica e internação em hospital).
Ainda é cedo para dizer, quanto tempo ainda teremos de lockdown no mundo, uma 2ª e até 3ª ondas de contágio com casos “importados” é prevista antes de uma imunização global (natural ou produzida pelo homem - vacina). O BCG (Boston Consulting Group) apresentou em um recente trabalho sobre a projeção da epidemia (26/Mar) sua estimativa sobre o final da quarentena para vários países, inclusive o Brasil, sendo que o relatório, em seu cenário otimista, aponta o final do isolamento (parcial ou total - conforme estratégia definida no país) para o período entre JUN/2020 e JUL/2020.
Em relação à economia, mesmo quando o retorno ocorrer já é prevista uma retomada mais lenta da atividade, sobretudo em relação ao consumo de bens e investimentos devido ao abalado grau de confiança e da situação financeira da maioria dos consumidores.
No mundo corporativo, com a "volta à normalidade", espera-se além de discussões aprofundadas, posicionamentos ainda mais sérios e decisivos sobre questões relativas às estruturas de governança, riscos e conformidade às regulamentações locais e globais dos negócios. Com certeza existem muitas outras lições aprendidas nesta crise, que também irão influenciar mudanças na forma com que como as pessoas em geral pensam e agem entre si, no sentido de haver mais tolerância e o reconhecimento de que ideias e soluções boas e úteis à humanidade podem surgir de qualquer lugar a todo o momento e assim temos uma grande oportunidade para melhoria e evolução de todos nós.
Na incerteza de quando tudo isto vai passar, e como o novo “normal” será, precisamos pensar positivamente, ter tranquilidade para evoluir nossa paciência (resiliência) e ter o bom senso para aproveitar todos os momentos de crise para compreender e aplicar as lições que estamos recebendo. Desta forma, avisados e conscientes da diversidade e gravidade dos riscos que corremos neste nosso mundo, talvez já estaremos melhor preparados para este novo nível de desafio no futuro.
Dedico esse texto às empresas e seus profissionais espalhados por este planeta, que tiveram a vida de seus negócios e trabalhos interrompidos e que passam por extrema dificuldade neste momento. Espero que este período ajude no desenvolvimento de nossas melhores qualidades e assim possamos continuar com nossas missões.